17.8.11

cenários de arte, política, transgressão

segunda-feira, aqui em porto alegre, os ânimos estavam alterados: a transgressora rádio ipanema executou programação nonsense variada e em total conflito com sua rotina. eu estava totalmente off line e não sabia que o assunto já corria na boca pequena fazia tempos: a ipanema estava (supostamente) programando um redirecionamento de mercado. no final foi tudo um ato de total rebeldia digno da rádio mais rock n'roll de poá (minha cidade de bolinhas). foi uma sacudida nos ouvintes; uma tentativa de fazê-los rir de si mesmo, que na minha opinião é uma das melhores formas de humos. 
particularmente achei leve a sacudida (legitimamente uma campanha publicitária), mas muitos se exaltaram, não acharam graça. respeito. não concordo.

pausa

hoje li a notícia de que a megaloja de vestiário descartável Zara foi denunciada por ministério do trabalho por valer-se de trabalho escravo na confecção de suas peças. lembrei e postei no facebook evento não muito antigo em que as lojas mariza passaram pelo mesmo problema. ainda neste post exaltei o absurdo volume de peças comercializadas todos os dias com destino certo: lixão. são mal desenhas, modelagem ruim, costura porca, material descartável. são roupas cujo objetivo é saciar a ansiedade de consumo desvairado e sem sentido. alimentam psicopatologias e seus consumidores frenéticos já podem ser considerados toxicômanos. se a angústia de viver é demais e gera ansiedade compre uma blusa. se a blusa não resolveu o problema com pre outra e outra e outra. se o consumo virou um problema não se preocupe: temos uma pílula que nosso laboratório ultramoderno desenvolveu com pesquisas em 1631354 países que comprovam sua eficácia. entorpecimento. 

pausa

não ouça
não vista
não grite
não reividique

aí uma outra notícia me é repassada. a música erudita italiana enfrentou com voz, batuta e instrumentos a forma corrupta e conservadora do governo de seu país. abaixo copio o texto explicativo do evento (recebi de meu pai, por e-mail, que por sua vez recebeu de um grande amigo) que resume o sentido. não deixe de ler. 

o fato é que me convenço todos os dias de que resistir à facilidade do consumo é um veneno para a alma. poá viveu, na sacutida da ipanema esta experiência. consumidores da zara também.


e o coro não se calará


No último dia 12 de março a Itália festejava os 150 anos de sua criação, ocasião em que a Ópera de Roma apresentou a ópera Nabuco de Verdi, símbolo da unificação do país, que invocava a escravidão dos Judeus na Babilônia, uma obra não só musical mas, também, política à época em que a Itália estava sujeita ao império dos Habsburgos (1840). 
Sylvio Berlusconi assistia, pessoalmente, à apresentação, que era dirigida pelo maestro Ricardo Mutti. Antes da apresentação o prefeito de Roma, Gianni Alemanno – ex-ministro do governo Berlusconi, discursou, protestando contra os cortes nas verbas da cultura, o que contribuiu para politizar o evento. 
Como Mutti declararia ao TIME, houve, já de início, uma incomum ovação, clima que se transformou numa verdadeira «noite de revolução » quando sentiu uma atmosfera de tensão ao se iniciar os acordes do coral « Va pensiero » o famoso hino contra a dominação. « Há situações que não se pode descrever, mas apenas sentir ; o silêncio absoluto do público, na expecativa do hino ; clima que se transforma em fervor aos primeiros acordes do mesmo. A reação visceral do público quando o côro entoa – ‘Ó minha pátria, tão bela e perdida’ - ».
Ao terminar o hino os aplausos da platéia interrompe a ópera e o público se manifesta com gritos de « bis », « viva Itália », « viva Verdi » . Das galerias são lançados papéis com mensagens políticas.
Não sendo usual dar bis durante uma ópera, e embora Mutti já o tenha feito uma vez em 1986, no teatro À La Sacala de Milão, o maestrohesitou pois, como ele depois disse : « não cabia um simples bis ; havia de ter um propósito particular ». Dado que o público já havia revelado seu sentimento patriótico fez com que o maestro se voltasse no púlpito e encarasse o púlblico, e com ele o próprio Berlusconi. Fazendo-se silêncio, pronunciou-se da seguinte forma, e reagindo a um grito de « longa vida à Itália » disse:
RICCARDO MUTTI :
« Sim, longa vida à Itália mas ... [aplausos]. Não tenho mais 30 anos e já vivi a minha vida, mas como um italiano que percorreu o mundo, tenho vergonha do que se passa no meu país. Portanto aquieço a vosso pedido de bis para o Va Pensiero. Isto não se deve apenas à alegria patriótica que senti em todos, mas porque nesta noite, enquanto eu dirigia o côro que canatava ‘ Ó meu pais, belo e perdido’, eu pensava que a continuarmos assim mataremos a cultura sobre a qual se assenta a história da Itália. Neste caso, nós, nossa pátria, será verdadeiramente ‘bela e perdida. [aplausos retumbantes, incluindo os artistas da peça]
Reina aqui um ‘clima italiano’ ; eu, Mutti me calei por longos anos. Gostaria agora...   nós deveriamos dar sentido à este canto ; como estamos em nossa casa, o teatro da capital, e com um côro que cantou magnificamente, e que é magnificamente acompanhado, se for de vosso agrado, proponho que todos se juntem a nós para cantarmos juntos. »
Foi assim que Mutti convidou o público a cantar o Côro dos Escravos. Pessoas se levantaram. Toda a ópera de Roma se levantou... O coral também se levantou. Foi um momento magnífico na ópera ! Vê-se, também, o pranto dos artistas.
Aquela noite não foi apenas uma apresentação do Nabuco mas, sobretudo, uma declaração do teatro da capital dirigida aos políticos.





Um comentário:

  1. Adorei a matéria, Hell!
    Pois é, esse momento em Roma foi emocionante. Olhei o vídeo agora. Não sou uma fã de Verdi mas esses momentos são lindos e essa musica dá arrepios! Até mesmo a "casta" aparentemente privilegiada dos teatros de opera sentem os cortes na cultura e os músicos estão sempre piores na foto... Apesar de tudo, gente, na Europa o "povo" ainda consegue ir a um show, um concerto, uma peça de teatro lá de vez em quando. E no Brasil? Qualquer show quem vem do sudeste custa acima de 50 reais! Não dá pra aceitar!
    Sobre as Lojas Marisa, acho que o furo é ainda mais embaixo, pois não só se consome por impulso, mas as camadas mais pobres compram ali porque custa mais barato, e a coisa não dura, e assim aumenta a bola de neve, ou de tecido.
    A Zara? So' a ponta de um iceberg, né? Claro que assusta ver isso no nosso país. Enquanto os escravos estão na China ou na Índia a gente fica mais tranquilo.

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