14.4.17

ESTILO E PRECONCEITO: palavra com efeito de ato

"Não gostei da maneira como ela combinou essa blusa com essa bolsa."

"Que maquiagem é essa?!"

"Ela é um amor, mas tão cafona, né."

"Trabalha com moda e se veste desse jeito."

"Tão elegante... Será que é a esposa que escolhe para ele?"

"Não tem senso de ridículo?"

Voce já proferiu alguma dessas frases? Nem intimamente para amigxs mais próximos ou umx colega superconfiável? Oscar Wilde já dizia que só os tolos não julgam pela aparencia. Todos nós julgamos, sejamos honestos ao menos em nossas reflexões, nessa leitura ou no mesmo ambito em que se partilharia um conteúdo como este acima. 

Sugiro a liberdade de expressão? Calma... Vamos pensar assim... Como transformar qualquer realidade sem ao menos saber de que modo ela te atinge? Saber de que modo determinada estilo nos incomoda nos ajuda a reconhecer o nosso próprio e assim poder entender como conviver com o diferente. 

Se voce não reconhece que determinado tipo de estampa, modelagem ou corte de cabelo lhe são desagradáveis no espelho, como saber se seus olhos, espelhos aos outros, não expressa o mesmo tipo de rechaço? 

"O preconceito é um tipo de injustiça que expõe na linguagem, mas também se cria por meio dela. E nesse sentido que se pode dizer que falando estamos fazendo."

No Brasil as pesquisas indicam que a maior parte da população identifica a sociedade como racista (um dos inúmeros tipos de preconceito), mas uma ínfima minoria reconhece em si tal falha. 

A proposta é pensar DE QUE MODOS, ou ainda, COMO somos preconceituosos com o estilo alheio de vestir-se. Inevitavelmente seremos de alguma forma. O desconhecido costuma ser algo delicado para uns, doloroso para outros ou ainda um grande monstro. Não é fácil este exercício, mas é um ponto de partida importante para construção de olhares que saem de uma posição crítica e passam a respeitar, ou quiçá admirar a diferença. 

Cada vez que nos fechamos a diferença nos abrimos ao nosso próprio umbigo. O problema nisso é que quando falamos de práticas do vestir estamos implicando objetos e, com isso, consumo. Quando achamos que nossa opinião é algo que temos liberdade de usar indiscriminadamente entramos na ceara do rompimento do espaço partilhado e migramos para o espaço governado pelo individualismo. E o individualismo tem direção na ilusão do poder de compra. Se é meu, logo ninguém tem nada a ver com isso. Ora, se ninguém tem nada a ver com isso pq vc poderia então opiniar arbitrariamente sobre o estilo do outro? 

Olhar-se no espelho e encontrar uma imagem agradável é muito importante, mas é uma construção. Ela não precisa passar exclusivamente pelo consumo de roupas como conhecemos nos últimos 20 anos. Há outros modos de inventar o seu look para sair de manhã. 

"Roupas de marca são escafandros, e carros de moda, jangadas que nos levam aquele tipo mitológico de ilha dos mortos que parecem em filmes de fantasia. As coisas que podemos adquirir no reino do poder de compra são ancoras por meio das quais queremos sentir que se atravessa um chão firme, embora estejamos a deriva em alto-mar. Isso tudo sem sair das margens de nós mesmos. 
(...)
O que mais atrai na mercadoria, a certeza de que possuir algo, não é mais que uma grande fantasia."

A fantasia esta de que a compra de uma roupa possa ser a única forma sentir-se bem com o espelho. Não esquecendo que os olhos dos outros funcionam como espelhos. Não espere que o outro não lhe julgue se voce mesmo o faz. Converse sobre outros assuntos com seus amigxs e colegxs. Quando compartilhamos um julgamento/opinião/apreciação negativa com outras pessoas isso toma uma materialidade, ou seja, uma ideia que pode ser sentida. Assim como um tapa, uma roupa que pinica, um empurrão. A agressividade da palavra pode ter força de ato. 

Busque em si seus preconceitos estéticos. Não é facil; encontre parceirxs para compartilhar as dificuldades do desafio. 

As aspas são do livro "Como concersar com um fascista - reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro" de Marcia Tiburi.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NoDerivs 3.0 Unported License.