15.4.10

considerações II


As pessoas me perguntam por que a invenção do Brechó de Troca; de onde eu tirei essa idéia. Para um momento da vida cotidiana para um projeto que, num primeiro momento não me faz enriquecer é de fato curioso. Minha resposta tem diversos vieses, mas o que quero ressaltar agora é meu desejo em trabalhar, sempre que possível, coletivamente. Explico: minhas escolhas como profissional “psi” se encontram com essa explicação. Entendo que cada um de nós é ligado ao outro por necessidade. Somos seres sociais por precisar uns dos outros e também por fazer de nossas tarefas executadas ou sob influência de terceiros bem melhores em qualidade. Os trabalhos individuais têm em si o traço do criador, mas todos sabem que o bom criador é aquele que captura o “espírito da época”, ou seja, que se permite afetar sobre o desejo social, sobre as necessidades coletivas antes mesmo da sociedade se aperceber disto. Quando busquei o espaço coletivo quis afirmar ser possível efetuar trocas em diversos níveis.
Mas o difícil dessa história é (falo como “psi”) é o que chamamos de ler esse trabalho. Quando coletivo, o espaço inventa o que chamamos de texto, que não é exatamente as conversas que se produzem, mas o encadeamento de assuntos, desejos, ações e interações que podem dizer se aquelas pessoas formaram um grupo ou foi uma reunião de interesse comum. Sim, essa diferença é clara, mas não é fácil identificá-la. Essa identificação é a leitura.
Alguns grupos trabalham juntos. De um jeito diferente do espaço do meu Brechó, também produzindo Moda. E, como o meu, imagino ter um desafio primordial: formar um texto coerente, que as pessoas entendam, e que desperte algum sentimento a terceiros.
Depois de muitos contratempos (um eterno desencontro nas datas dos desfiles) tive a chance de assistir ao Texto da Casa de Tolerância na passarela externa do Donna Fashion Iguatemi. As Gurias apresentaram uma amostra grátis do que virá na próxima coleção chamada “Em Polvorosa”. O uso de referência histórica bem definida e de apuro intelectual mostrara um desfile com forma, um texto coerente que a gente lê. Não é necessário gostar para saber o que Casa de Tolerância tem para dizer. Eu ainda por cima gosto; acho muito bom (estética e qualidade técnica). Mulheres modernas vestindo-se do que restou de feminino no pós-guerra: exuberância desesperada para apagar a mágoa dos traumas do sangue. Dramatismo? Não sei. Só sei que lembrar desse período histórico, até mesmo no Brasil (que teve parca participação) representa uma época de elegância extrema, de roupas novas ou velhas, mas que buscavam expressar uma boa condição (financeira, cultura e todas as que consigo imaginar) pela roupa; e pobre dos que não conseguiam essa proeza. Casa de Tolerância passou essa sensação: a boa roupa, o cuidado do corte, da expressão das modelos, da música. As brincadeiras histriônicas e o sapato gasto do modelo nos lembram que isso é Moda e que esse tema não é mais pesado por que Casa de Tolerância soube brincar.
E é essa a beleza da Casa: o texto do diálogo bem-humorado de três mulheres (Amanda Dorneles, Nina Godinho e Ianny Bastos) que é absolutamente possível. Coletivo de moda é algo inovador, mas só podemos dar o aval ao perceber em suas criações algo a ser lido: um processo grupal. Não quero imaginar as brigas e risadas das Gurias no processo de criação, na relação com fornecedores, fotógrafos, enfim: isso é delas. O que é lindo e nosso é “Em Polvorosa”.

Um comentário:

  1. maria rosane pereira20/4/10 8:02 PM

    Helena, adorei esse teu artigo. Eu sempre quis saber por que diziam que Paris (como Milão) era uma cidade que exportava moda para o mundo. Até que quando cheguei lá, entendi. As pessoas usam tudo, e ninguém se importa em vestir um casaco da bisavó, mesmo que cerzido na manga. Nada a ver com moda ´´retrô´´, é gostar do que é belo, porque a beleza é atemporal. A amiga mais ´´chique´´ que eu tenho em Paris, foi a uma festa ´´gala´´ comigo. Ela vestia uma roupa de 1958, linda, que sua avó lhe havia dado de presente. Todo mundo curte brechós. Troquei com ela muitas roupas, que até hoje uso e adoro.
    É isso, teu brechó de troca é uma bela ´´pontuação´´, uma bela interrogação sobre o que é hoje em dia a ´´comunidade feminina´´. Mas claro, é muito mais do que isso.
    Voltando ao desfile, cheguei a vê-lo, obrigada.
    Beijo
    Rosane

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