4.11.13

mais um ronaldo: graças!


Quando eu nasci não veio nenhum anjo safado, nenhum querubim, decretar que eu seria errada assim. Mas pra muita gente sim. Faço piada porque é domingo, porque o tempo passa e enfim podemos. Mas na verdade as histórias são contadas para dar novo sentido a coisas que, na maioria das vezes, doem pacas.

Lembro que minha infância foi marcada por imagens públicas de radicalidade: no exterior um etiopiano agacha-se para brincar com o nada com uma barriga inchada pela marca sintomática da desnutrição; no brasil a Serra Pelada promete sob o fingimento do deslumbramento; no nordeste não há pão, o que dirá sala de aula; minha mãe (e outras tantas) chora a morte incompreensível de Tancredo me fazendo entender como dói a falta do poder da palavra; bóias frias peregrinam por um Brasil sem trabalho, sem perspectiva.

Os anos passam, a euforia é moda, a futilidade se expande: a economia mudou, a generosidade também? O povo compra sapato e máquina de lavar roupa; a classe média viaja, o rico se populariza numa tentativa desesperada de não tornar-se blasé ao nível da incitação da violência. Mas tem gente que vê isso tudo e não cala. Gente que quer que o povo compre casa própria porque pode, porque vive no mundo capitalista, paga suas contas e tem feijão na mesa; que percebe que ficar em sua terra, mesmo seca, pode ser uma alternativa e que criar na dor pode ser viável e até mesmo rentável; que ler, informar-se, rememorar os jogos de força da política são caminhos obrigatórios para se pensar democracia em dimensões continentais; que a beleza precisa ser contada, partilhada, mesmo que nasça do feio. 

E aí a pessoa se pergunta se eu ainda falo de moda nesse blog. Pois é... falo da vida, do acontecimento e me esforço para escrever e cartografar o sentimento quando o vivo. Hoje eu tive (na verdade inventei) um tempinho para assistir o último Desfile de Ronaldo Fraga no último SPFW. Senti ele assistindo JN comigo, indignado com as palavras vazias do Cidão, com o peito apertado com as últimas notícias mascadas do telejornal. Lembrei que as experiências dele são de um mundo ainda mais desigual pois ele é mais velho do que eu. Mas no final lembrei mesmo que ele podia ser meu irmão mais velho que mora longe e tem as mesmas bagagens de lembrança de um mundo que hoje ainda dói, mas que dá para suportar. Um mundo onde o marrom e o bege são cores escolhidas, não mais inventadas na poeira da seca, onde modelos inventam um cactus vivo de beleza. 

Eu poderia ficar aqui falando agora da roupa, mas não precisa né. Isso porque o Ronaldo inventou um jeito da gente poder usar o fútil sem agredir nem a si nem ao próximo; um jeito da moda contar história que a gente queria contar, viver ou sonhar. A ideia é rir um pouquinho dessa dor que se foi usando o Ronaldo no corpo (que bela frase né mineirinho, hahaha), vestindo o poema de sua nova coleção. Não minto: eu quero! 


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